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31/03/2014

Um acaso contra dor e inflamação






 Um temporal abateu algumas árvores da Reserva Biológica Santa Cândida, emMinas Gerais, e quis o acaso que entre elas estivesse a única pindaíba do pedaço, localizada bem junto à cerca, perto da estrada. E como o acaso estava mesmo disposto a colaborar com a Ciência, logo em seguida ao tombo passou por ali uma dupla de pesquisadores: o farmacêutico e bioquímico Orlando Vieira de Sousa, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e a botânica Rita de Cássia Almeida Lafetá, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela identificou a espécie e ele obteve licença para coletar os galhos da árvore morta e estudar mais a fundo osóleos essenciais de sua casca.

A espécie é cientificamente conhecida como Duguetia lanceolata e tem outros nomes populares, além de pindaíba: beribá, pinha-da-mata, pinhão, pindabuna, cortiça-do-brejo, cortição, araticum-cagão, ariticum e quaresma (porque frutifica em março). Ocorre no Cerrado, na Mata Atlântica e nas matas mistas do interior, nas regiões Sudeste e Sul do Brasil e em alguns locais do Mato Grosso do Sul. Trata-se de uma árvore copada, de 9 a 20 de altura, com folhas verde-escuras. Cresce com mais frequência em matas ciliares e zonas periodicamente inundáveis. Os frutos são semelhantes à pinha-do-norte, porém com casca menos enrugada e de um belo vermelho-quase-vinho, quando maduros. Muito apreciados por primatas de todos os tamanhos, também são consumidos por aves e roedores (quando – e se – chegam a cair no chão). Nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, a espécie consta na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas como criticamente em perigo, a categoria mais próxima da extinção na natureza.

A pesquisa do farmacêutico Orlando rendeu boas novidades: os óleos essenciais de pindaíba revelaram atividade antimicrobianaanti-inflamatória e antinociceptiva, quer dizer, um medicamento feito com estes óleo poderia reduzir a sensibilidade à dor. “Logo imaginei que os óleos essenciais teriam atividade, pois a árvore caída tinha um cheiro muito forte”, conta. “Realizamos diversos testes com modelos animais e a atividade foi boa, mas não pude prosseguir e realizar testes clínicos porque a árvore morreu e não consegui obter mais material”.

Os resultados preliminares, no entanto, deveriam ser um estímulo à plantação da espécie que, como outras árvores da família Annonacea, tem esse tipo de atividade e poderia gerar novos medicamentos para uso tópico, para casos de psoríase,dermatites e várias outras doenças de pele que são decorrentes de processos inflamatórios. A tese de doutorado de Orlando Sousa foi com árvores desta família e ele segue investigando alternativas anti-inflamatórias e antinociceptivas entre espécies da flora brasileira. Segundo o especialista, no entanto, “é muito difícil trabalhar com plantas só encontradas na natureza. Não podemos tirar a casca ou as raízes, pois há risco de matar a árvore. Isso acaba nos desestimulando, limitando a pesquisa à extração do material de plantas de hortos ou de cultivos comerciais. E também concentra a pesquisa em arbustos e ervas, que são mais fáceis de reproduzir”.

No laboratório de Juiz de Fora, o pesquisador Orlando Vieira de Sousa trabalha em parceria com a farmacêutica e doutora em Microbiologia, Maria Silvana Alves, com recursos da própria universidade e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), além de bolsas de pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Pela relevância dos estudos, em busca de alívio para a dor e para inflamações que chegam até a causar discriminação (como a psoríase), bem que eles mereciam melhor acesso às riquezas da nossabiodiversidade. Afinal não custa tanto assim investir na formação de um horto bem diversificado, no qual fossem incluídas árvores de interesse, como a pindaíba. Talvez elas demorem a crescer, mas os frutos certamente valem a espera.

Fonte: Planeta Sustentável


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